Quando discutem o sábado, os adventistas, diante das provas históricas a favor do domingo, pedem "respaldo bíblico". Ora, "respaldo bíblico" é apenas uma forma de enrolar o debate. Mas vejamos, então, o que nos diz o Novo Testamento sobre o domingo.
Atos 20:7 nos mostra claramente os discípulos se reunindo no “Dia do Senhor”:
“E
no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o
pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e
prolongou a prática até à meia-noite.”
Onde foi isso? No Cenáculo em Trôade. Em qual dia? No domingo.
1
– Essa é uma reunião cristã, realizada no Cenáculo [não era uma
Sinagoga] onde era celebrada a eucarístia e a pregação.
2 – A reunião é realizada após o horário do Shabbat, ou seja, após o cair da noite e Paulo fica com eles nesta reunião até o início da madrugada.
3 – Tal reunião de cristãos não é apenas atestada neste versículo, mas também em 1 Cor 16:2, onde temos:
“No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de lado o que conseguir poupar; deste modo, não se esperará a minha chegada para se fazerem as coletas.”
O
indicativo é bem claro. Os cristãos tinham o domingo como dia de reunião e
Paulo os instiga para que nessas reuniões fossem feitas as coletas.
Paulo repete à comunidade de Corinto a fórmula de instrução já dada à igreja da Galácia [versículo 1]:
1 Cor 16:1-2 – “ Quanto à coleta em favor dos santos, segui vós as normas que estabeleci para as igrejas
da Galácia. (No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de lado o
que conseguir poupar; deste modo, não se esperará a minha chegada para
se fazerem as coletas.)
Adiante:
Apocalipse 1:10 nos mostra
perfeitamente o testemunho cristão sobre o DOMINGO, o "dia do Senhor",
dia no qual Jesus ressuscitou dos mortos e inaugurou com isso uma vida
nova aos cristãos.
“No dia do Senhor fui movido pelo Espírito...”
Tal
menção em pleno fim do século I d.C. por João de Patmos já nos mostra
claramente não somente a insitucionalidade dos encontros mas a
consagração denominativa de um dia reservado à homenagem à Jesus como
senhor da vida.
1.12.11
15.11.11
Padres pedófilos: um pânico moral
Por Massimo Introvigne*
Por que se volta a falar de padres pedófilos, com acusações que se referem à Alemanha,
a pessoas próximas ao Papa e agora até mesmo ao próprio Papa? Será que a sociologia tem algo
a dizer a respeito ou deve deixar o caminho livre para os jornalistas? Creio que a sociologia tem
muito a dizer, e que não deve ficar quieta por medo de desagradar este ou aquele. A discussão
atual sobre padres pedófilos – considerada do ponto de vista sociológico – representa um
exemplo típico de “pânico moral”. O conceito nasceu nos anos 1970 para explicar como alguns
problemas são objeto de uma “hiperconstrução social”. Mais precisamente, os pânicos morais
foram definidos como problemas socialmente construídos, caracterizados por uma amplificação
sistemática dos dados reais, seja na exposição midiática, seja na discussão política. Duas outras
características foram mencionadas como típicas dos pânicos morais. Em primeiro lugar,
problemas sociais que existem há décadas são reconstruídos na narrativa midiática e política
como “novos”, ou como objeto de um suposto e dramático crescimento recente. Em segundo
lugar, a sua incidência é exageradapor estatísticas folclóricas que, mesmo não confirmadas por
estudos acadêmicos, são repetidas pelos meios de comunicação e podem suscitar campanhas
midiáticas persistentes. Philip Jenkins assinalou o papel dos “empreendedores morais” – cujas
agendas nem sempre são declaradas – na criação e gestão dos pânicos. Os pânicos morais não
fazem bem a ninguém. Eles distorcem a percepção dos problemas e comprometem a eficácia
das medidas que deveriam resolvê-los. Uma análise errada não pode produzir senão uma
intervenção errada.
Que fique claro: os pânicos morais têm na sua origem circunstâncias objetivas e perigos
reais. Não inventam a existência de um problema, mas exageram suas dimensões estatísticas.
Numa série de valiosos estudos, o mesmo Jenkins mostrou como a questão dos padres pedófilos
talvez seja o exemplo mais típico de um pânico moral. Estão presentes de fato os dois elementos
característicos: um dado real na origem, e uma exageração desse dado por obra de ambíguos
“empreendedores morais”.
Primeiro, o dado real na origem: existem padres pedófilos. Alguns casos são ao mesmo
tempo desconcertantes e repugnantes, foram objeto de condenações definitivas e os próprios
acusados nunca se disseram inocentes. Estes casos – nos EUA, na Irlanda, na Austrália –
explicam as severas palavras do Papa e o seu pedido de perdão às vítimas. Mesmo se os casos
fossem apenas dois – e, infelizmente, são muitos – isto já seria demais. Mas já que pedir perdão
– apesar de nobre e oportuno – não basta, sendo necessário evitar que os casos se repitam, não é
indiferente saber se os casos são dois, duzentos ou vinte mil. E tampouco é irrelevante saber se
o número de casos entre sacerdotes e religiosos católicos é mais ou menos numeroso do que
entre outras categorias de pessoas. Os sociólogos frequentemente são acusados de trabalhar
sobre números frios, esquecendo que por trás de cada número há um caso humano. Mas os
números, embora não sejam suficientes, são necessários. São o pressuposto de toda análise
adequada. Para entender como de um dado tragicamente real se passou a um pânico moral é
necessário saber quantos são os padres pedófilos. Os dados mais amplos foram coletados nos
EUA, onde, em 2004, a Conferência Episcopal encomendou um estudo independente ao John
Jay College of Criminal Justice da City University of New York, que não é uma universidade
católica e é unanimemente reconhecida como a mais autorizada instituição acadêmica dos EUA
em matéria de criminologia. Esse estudo nos diz que de 1950 a 2002, num universo de 109.000,
4.392 sacerdotes americanos foram acusados de ter relações sexuais com menores. Desses, pouco mais de uma centena foram condenados por tribunais civis. O baixo número de
condenações por parte do Estado deriva de diversos fatores. Em alguns casos as verdadeiras ou
supostas vítimas denunciaram sacerdotes já mortos, ou foram consumados os prazos de
prescrição. Em outros, à acusação e à condenação canônicas não corresponde nenhuma violação
a qualquer lei civil: é o caso, por exemplo, em diversos Estados americanos, do sacerdote que
tinha uma relação consensual com uma – ou mesmo um – menor com mais de 16 anos. Mas
também aconteceram muitos casos clamorosos de sacerdotes inocentes acusados. Esses casos
foram multiplicados nos anos 1990, quando alguns escritórios de advocacia perceberam que
poderiam obter transações milionárias com base em meras suspeitas. Os apelos à “tolerância
zero” são justificados, mas também não deveria haver qualquer tolerância com quem calunia
sacerdotes inocentes.
Acrescento que em relação aos EUA as cifras não se alterariam de forma significativa
se somássemos o período 2002-2010, pois o estudo feito pelo John Jay College já observava o
“declínio claríssimo” dos casos no ano 2000. Os novos inquéritos são poucos, e as condenações
pouquíssimas, graças a medidas rigorosas introduzidas seja pelos bispos americanos, seja pela
Santa Sé. O estudo do John Jay College nos diz que quatro por cento dos sacerdotes americanos
são pedófilos? De modo algum. Segundo aquela pesquisa, 78,2% das acusações se referiam a
menores que haviam superado a puberdade. Manter relação sexual com uma menina de 17 anos
não é certamente “una bella cosa”, muito menos para um padre: mas não se trata de pedofilia.
Portanto, ao longo de cinqüenta e dois anos, os sacerdotes acusados de pedofilia nos EUA são
958, dezoito por ano. As condenações foram 54, pouco mais de uma por ano.
O número de condenações penais de sacerdotes e religiosos em outros países é parecido, embora em nenhum país se disponha de um estudo completo como aquele feito pelo John Jay College. Cita-se frequentemente uma série de relatórios governamentais na Irlanda que definem como “endêmica” a presença de abusos nas escolas e nos orfanatos (masculinos) administrados por algumas dioceses e ordens religiosas, e não há dúvida de que casos muito graves de abusos sexuais de menores nesse país realmente aconteceram. O exame sistemático desses relatórios mostra, ademais, como muitas acusações se referem ao uso de meios de correção excessivos ou violentos. O assim chamado Relatório Ryan de 2009 – que usa uma linguagem muito dura em relação à Igreja Católica – reporta, no período que investiga, a partir de um universo de 25.000 alunos de escolas, reformatórios e orfanatos, 253 acusações de abusos sexuais de meninos e 128 de meninas, nem todos atribuídos a sacerdotes, religiosos ou religiosas, de diversa natureza e gravidade, raramente referidos a menores impúberes e que, ainda mais raramente, levaram a condenações. As polêmicas dessas últimas semanas sobre a Alemanha e a Áustria exibem uma característica típica dos pânicos morais: apresentam-se como “novos” fatos que aconteceram há muitos anos ou são – em alguns casos há mais de 30 anos – já conhecidos em parte. O fato de se noticiarem na primeira página dos jornais – com uma particular insistência no que toca à área geográfica da Bavária, de onde vem o Papa – ocorrências dos anos 1980, como se houvessem ocorrido ontem; e de se suscitarem polêmicas violentas, com um ataque concêntrico que anuncia todo dia, em estilo escandaloso, novas “descobertas”, mostra bem como o pânico moral é promovido por “empreendedores morais” de forma organizada e sistemática. O caso que – como alguns jornais publicaram – “envolve o Papa” é um exemplo de manual escolar: refere-se a um episódio de abusos na Arquidiocese de Munique, da qual era arcebispo o atual Pontífice, que remonta a 1980. O caso veio à tona em 1985 e foi julgado por um tribunal alemão em 1986; no julgamento ficou provado, entre outras coisas, que a decisão de acolher na arquidiocese o sacerdote em questão não foi tomada pelo cardeal Ratzinger e não era sequer do seu conhecimento, o que não admira numa grande diocese com uma burocracia complexa. Por que um jornal alemão decide exumar esse caso e publicá-lo na primeira página vinte e quatro anos depois da sentença, isto, sim, deveria ser a verdadeira questão.
O número de condenações penais de sacerdotes e religiosos em outros países é parecido, embora em nenhum país se disponha de um estudo completo como aquele feito pelo John Jay College. Cita-se frequentemente uma série de relatórios governamentais na Irlanda que definem como “endêmica” a presença de abusos nas escolas e nos orfanatos (masculinos) administrados por algumas dioceses e ordens religiosas, e não há dúvida de que casos muito graves de abusos sexuais de menores nesse país realmente aconteceram. O exame sistemático desses relatórios mostra, ademais, como muitas acusações se referem ao uso de meios de correção excessivos ou violentos. O assim chamado Relatório Ryan de 2009 – que usa uma linguagem muito dura em relação à Igreja Católica – reporta, no período que investiga, a partir de um universo de 25.000 alunos de escolas, reformatórios e orfanatos, 253 acusações de abusos sexuais de meninos e 128 de meninas, nem todos atribuídos a sacerdotes, religiosos ou religiosas, de diversa natureza e gravidade, raramente referidos a menores impúberes e que, ainda mais raramente, levaram a condenações. As polêmicas dessas últimas semanas sobre a Alemanha e a Áustria exibem uma característica típica dos pânicos morais: apresentam-se como “novos” fatos que aconteceram há muitos anos ou são – em alguns casos há mais de 30 anos – já conhecidos em parte. O fato de se noticiarem na primeira página dos jornais – com uma particular insistência no que toca à área geográfica da Bavária, de onde vem o Papa – ocorrências dos anos 1980, como se houvessem ocorrido ontem; e de se suscitarem polêmicas violentas, com um ataque concêntrico que anuncia todo dia, em estilo escandaloso, novas “descobertas”, mostra bem como o pânico moral é promovido por “empreendedores morais” de forma organizada e sistemática. O caso que – como alguns jornais publicaram – “envolve o Papa” é um exemplo de manual escolar: refere-se a um episódio de abusos na Arquidiocese de Munique, da qual era arcebispo o atual Pontífice, que remonta a 1980. O caso veio à tona em 1985 e foi julgado por um tribunal alemão em 1986; no julgamento ficou provado, entre outras coisas, que a decisão de acolher na arquidiocese o sacerdote em questão não foi tomada pelo cardeal Ratzinger e não era sequer do seu conhecimento, o que não admira numa grande diocese com uma burocracia complexa. Por que um jornal alemão decide exumar esse caso e publicá-lo na primeira página vinte e quatro anos depois da sentença, isto, sim, deveria ser a verdadeira questão.
Uma pergunta desagradável (...), mas importante, é se ser um padre católico é uma
condição que comporta um risco de se tornar pedófilo ou de abusar sexualmente de menores
(como se viu, as duas coisas não coincidem, pois quem abusa de uma menina de dezesseis anos
não é um pedófilo) mais elevado em relação ao resto da população. Responder a essa pergunta é
fundamental para descobrir as causas do fenômeno e assim preveni-lo. Segundo os estudos de
Jenkins, se se compara a Igreja Católica dos EUA às principais denominações protestantes se
descobre que a presença de pedófilos é – dependendo das denominações – de duas a dez vezes
mais alta entre os pastores protestantes do que entre padres católicos. A questão é relevante
porque mostra que o problema não é o celibato: a maior parte dos pastores protestantes é casada.
No mesmo período em que uma centena de sacerdotes americanos era condenada por abuso
sexual de menores, o número de professores de educação física e técnicos de equipes esportivas
juvenis – também esses em sua maioria casados – julgados culpados do mesmo delito pelos
tribunais americanos atingia os seis mil. Os exemplos poderiam continuar, não só nos EUA. E,
sobretudo, segundo os relatórios periódicos do governo americano, cerca de dois terços das
doenças sexuais de menores não são transmitidas por estranhos ou professores – incluindo
padres e pastores protestantes – mas por familiares: padrastos, tios, primos, irmãos e
infelizmente também pais. Dados semelhantes existem em muitos outros países.
Embora seja pouco politicamente correto dizer isto, há um dado que é muito significativo: mais de oitenta por cento dos pedófilos são homossexuais, machos que abusam de outros machos. E – para citar ainda uma vez Jenkins – mais de noventa por cento dos sacerdotes católicos condenados por abuso sexual de menores e pedofilia são homossexuais. Se na Igreja Católica houve de fato um problema, este não foi o celibato, mas uma certa tolerância em relação ao homossexualismo nos seminários, particularmente nos anos 1970, quando foi ordenada a grande maioria de sacerdotes posteriormente condenados pelos abusos. É um problema que Bento XVI está corrigindo vigorosamente. O retorno à moral, à disciplina ascética, à meditação sobre a verdadeira, a grande natureza do sacerdócio são o antídoto definitivo contra as tragédias reais da pedofilia. Também para isso deve servir o Ano Sacerdotal.
Quanto a 2006 – quando a BBC colocou no ar o lixo-documentário do parlamentar irlandês e ativista homossexual Colm O’Gorman – e 2007 – quando [Michele] Santoro veiculou a versão italiana em Annozero [programa televisivo da RAI] – não há, na verdade, muito de novo, exceto a crescente severidade e vigilância da Igreja. Os casos dolorosos de que se fala nestas últimas semanas nem sempre são inventados, mas aconteceram há mais de vinte ou trinta anos. Ou, talvez, exista algo de novo. Por que exumar em 2010 casos velhos ou muito frequentemente já conhecidos, ao ritmo de um por dia, atacando cada vez mais diretamente o Papa – um ataque, ademais, paradoxal, se se considera a grande severidade do cardeal Ratzinger, primeiro, e de Bento XVI, depois, em relação a esse tema? Os “empreendedores morais” que organizam o pânico têm uma agenda que se revela sempre mais claramente, e que nada tem a ver com a efetiva proteção das crianças. A leitura de certos artigos nos mostra como – às vésperas de decisões políticas, judiciais e também eleitorais, por toda Europa e no mundo, sobre temas como a utilização da pílula RU486, a eutanásia, o reconhecimento das uniões homossexuais, em que a voz da Igreja e do Papa se ergue, quase isolada, na defesa da vida e da família – lobbies muito poderosos tentam desqualificar preventivamente essa voz com a acusação mais infamante e, hoje, infelizmente, também mais fácil: a de favorecer ou tolerar a pedofilia. Estes lobbies mais ou menos maçônicos manifestam o poder sinistro da tecnocracia, evocado pelo próprio Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate e a denúncia de João Paulo II, na mensagem da Jornada Mundial da Paz de 1985 (de 8.12.1984), a propósito das “intenções ocultas” – ao lado de outras “abertamente propagandeadas” – “voltadas a subjugar todos os povos a regimes nos quais Deus não importa”. De fato, esta é uma hora de trevas, que traz à mente a profecia de um grande pensador católico do século XIX, Emiliano Avogadro della Motta (1798-1865), Padres pedófilos - um pânico moral 7/7 segundo o qual às ruínas deixadas pela ideologia laicista se seguiria uma autêntica “demonolatria” que se manifestaria particularmente no ataque à família e à verdadeira noção do matrimônio. Restabelecer a verdade sociológica sobre pânicos morais em tema de padres e pedofilia por si só não resolve os problemas e não paralisa o lobby, mas pode constituir ao menos uma pequena e devida homenagem à grandeza de um Pontífice e de uma Igreja feridos e caluniados por não se resignarem a calar sobre a vida e a família.
Embora seja pouco politicamente correto dizer isto, há um dado que é muito significativo: mais de oitenta por cento dos pedófilos são homossexuais, machos que abusam de outros machos. E – para citar ainda uma vez Jenkins – mais de noventa por cento dos sacerdotes católicos condenados por abuso sexual de menores e pedofilia são homossexuais. Se na Igreja Católica houve de fato um problema, este não foi o celibato, mas uma certa tolerância em relação ao homossexualismo nos seminários, particularmente nos anos 1970, quando foi ordenada a grande maioria de sacerdotes posteriormente condenados pelos abusos. É um problema que Bento XVI está corrigindo vigorosamente. O retorno à moral, à disciplina ascética, à meditação sobre a verdadeira, a grande natureza do sacerdócio são o antídoto definitivo contra as tragédias reais da pedofilia. Também para isso deve servir o Ano Sacerdotal.
Quanto a 2006 – quando a BBC colocou no ar o lixo-documentário do parlamentar irlandês e ativista homossexual Colm O’Gorman – e 2007 – quando [Michele] Santoro veiculou a versão italiana em Annozero [programa televisivo da RAI] – não há, na verdade, muito de novo, exceto a crescente severidade e vigilância da Igreja. Os casos dolorosos de que se fala nestas últimas semanas nem sempre são inventados, mas aconteceram há mais de vinte ou trinta anos. Ou, talvez, exista algo de novo. Por que exumar em 2010 casos velhos ou muito frequentemente já conhecidos, ao ritmo de um por dia, atacando cada vez mais diretamente o Papa – um ataque, ademais, paradoxal, se se considera a grande severidade do cardeal Ratzinger, primeiro, e de Bento XVI, depois, em relação a esse tema? Os “empreendedores morais” que organizam o pânico têm uma agenda que se revela sempre mais claramente, e que nada tem a ver com a efetiva proteção das crianças. A leitura de certos artigos nos mostra como – às vésperas de decisões políticas, judiciais e também eleitorais, por toda Europa e no mundo, sobre temas como a utilização da pílula RU486, a eutanásia, o reconhecimento das uniões homossexuais, em que a voz da Igreja e do Papa se ergue, quase isolada, na defesa da vida e da família – lobbies muito poderosos tentam desqualificar preventivamente essa voz com a acusação mais infamante e, hoje, infelizmente, também mais fácil: a de favorecer ou tolerar a pedofilia. Estes lobbies mais ou menos maçônicos manifestam o poder sinistro da tecnocracia, evocado pelo próprio Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate e a denúncia de João Paulo II, na mensagem da Jornada Mundial da Paz de 1985 (de 8.12.1984), a propósito das “intenções ocultas” – ao lado de outras “abertamente propagandeadas” – “voltadas a subjugar todos os povos a regimes nos quais Deus não importa”. De fato, esta é uma hora de trevas, que traz à mente a profecia de um grande pensador católico do século XIX, Emiliano Avogadro della Motta (1798-1865), Padres pedófilos - um pânico moral 7/7 segundo o qual às ruínas deixadas pela ideologia laicista se seguiria uma autêntica “demonolatria” que se manifestaria particularmente no ataque à família e à verdadeira noção do matrimônio. Restabelecer a verdade sociológica sobre pânicos morais em tema de padres e pedofilia por si só não resolve os problemas e não paralisa o lobby, mas pode constituir ao menos uma pequena e devida homenagem à grandeza de um Pontífice e de uma Igreja feridos e caluniados por não se resignarem a calar sobre a vida e a família.
*Massimo Introvigne é sociólogo italiano. O texto original está no site do CESNUR -
Centro Studi sulle Nuove Religioni (http://www.cesnur.org/2010/mi_preti_pedofili.html).
Traduzido por Miguel Nagib.
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8.11.11
A unidade da Igreja
São Cipriano de Cartago
(†258) Bispo de Cartago e Mártir
«A Unidade da Igreja»
I Parte:
(1)
"Vós sois o sal da terra" (Mt 5,3), diz o Senhor, e ainda nos recomenda
que sejamos simples pela inocência e prudentes na simplicidade [Mt
10,16]. Nada pois é mais importante para nós, irmãos diletíssimos,
quanto vigiar com todo o cuidado para descobrir logo e, ao mesmo tempo,
compreender e evitar as ciladas do inimigo traiçoeiro. Sem isso, embora
sejamos revestidos de Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], que é a Sabedoria de
Deus Pai [1Cor 1,24], nos mostraríamos menos sábios na defesa da
salvação.
(2)
De fato, não devemos temer só a perseguição e os vários ataques que se
desencadeiam abertamente para arruinar e abater os servos de Deus.
Quando o perigo é manifesto, a cautela é mais fácil. O nosso espírito
está mais pronto para lutar contra um adversário abertamente declarado. É
mais necessário ter medo e guardar-nos do inimigo que penetra às
escondidas, e se vai insinuando oculta e tortuosamente com falsas
imagens de paz. Bem lhe convém o nome de serpente! Essa foi sempre a sua
astúcia, esse foi sempre o tenebroso e pérfido engano com que tenta
seduzir o homem.
(3)
Já no começo do mundo mentiu e enganou as almas crédulas e ingênuas
(dos nossos primeiros pais), acariciando-as com palavras falazes [Gen
3,1ss] . Igualmente ousou tentar a Cristo, nosso Senhor, e se aproximou
dele insinuando, disfarçando, mentindo. Foi contudo desmascarado e
repelido. Desta vez, foi derrotado porque foi reconhecido e descoberto
[Mt 4,1ss].
(1)
Sirvam-nos estes exemplos. Evitemos o caminho do homem velho, para não
cair no laço da morte. Sigamos as pisadas de Cristo vencedor, para que,
usando cautela diante do perigo, alcancemos a verdadeira imortalidade.
(2)
Mas, como poderíamos chegar à imortalidade, sem observar os mandamentos
de Cristo? São eles os únicos meios para combater e vencer a morte. Ele
nos avisa: "Se queres chegar à vida, observa os mandamentos" (Mt
19,17), e, de novo: "Se fizerdes o que vos mando, já não vos chamarei
servos, mas amigos" (Jo 15,15).
(3)
Esses são os que ele diz serem fortes e firmes. Esses têm fundamento
sólido na pedra, e gozam de inabalável resistência contra todas as
tempestades e as rajadas do século. "Quem ouve as minhas palavras - diz
ele - e as cumpre é semelhante ao homem sábio que construiu a sua casa
sobre a pedra. Desceu a chuva, desabaram as correntes, sopraram os
ventos, batendo contra aquela casa, e ela não caiu porque fora fundada
na pedra" (Mt 7,25).
(4)
Devemos, pois, prestar atenção às suas palavras, devemos aprender e
praticar o que ele ensinou e o que fez. Como poderia asseverar que
acredita em Cristo aquele que não cumpre o que Cristo mandou? E como
conseguirá o prêmio da fé aquele que recusa a fé no que foi mandado?
Fatalmente ele irá vacilando, à ventura, e, arrastado pelo espírito do
erro, será varrido como pó agitado pelo vento.
(5) Nunca poderão conduzir à salvação os passos daquele que não adere à verdade da única via que salva.
(1)
Devemos pois guardar-nos, irmãos caríssimos, não só dos males que
aparecem claramente como tais, mas também, como já disse, daqueles que
nos enganam pela sutileza da astúcia e da fraude.
(2)
Pois bem, vede agora a que ponto chega a astúcia e a sutileza do
inimigo. Veio Cristo ao mundo. Veio a luz para os povos e resplandeceu
para a salvação dos homens [Lc 2,32]. Com isto ficou descoberto e
derrotado o antigo adversário. Os surdos abrem os ouvidos às graças
espirituais, os cegos abrem os olhos a Deus, os enfermos ficam são ao
ganhar a saúde eterna, os coxos correm à Igreja, os mudos soltam as suas
línguas na oração [Mt 11,5; Lc 7,22]. Aumenta dia a dia o povo fiel,
abandonam-se os velhos ídolos, tornam-se desertos os seus templos.
(3)
Então, o que faz o malvado? Inventa nova fraude para enganar os
incautos com o próprio título do nome cristão. Introduz as heresias e os
cismas para derrubar a fé, para contaminar a verdade e dilacerar a
unidade. Assim, não podendo mais segurar os seus na cegueira da antiga
superstição, os rodeia, os conduz ao erro por novos caminhos. Rouba à
Igreja os homens e, fazendo-lhes acreditar que alcançaram a luz e se
subtraíram à noite do século, envolve-os ainda mais nas trevas: não
observam a lei do Evangelho de Cristo e se dizem cristãos, andam na
escuridão e pensam que possuem a luz, nisto são iludidos e lisonjeados
pelo adversário, que, como diz o Apóstolo, "se transfigura em anjo de
luz" (2Cor 11,14).
(4)
Disfarça seus ministros em ministros de justiça, ensina-lhes a dar à
noite o nome de dia, à perdição o nome de salvação, ensina-lhes a
propalar o desespero e a perfídia sob o rótulo da esperança e da fé, a
apregoar o Anticristo com o nome de Cristo. Mestres na arte de mentir,
diluem com as suas sutilezas toda a verdade.
(5)
Isto acontece, irmãos caríssimos, porque não se bebe à fonte mesma da
verdade, não se busca aquele que é a Cabeça, nem se observam os
ensinamentos do Mestre celestial.
(1)
Quem presta atenção a estes ensinamentos não precisa de longo estudo,
nem de muitas demonstrações. A prova da nossa fé é fácil e compendiosa.
(2)
Assim fala o Senhor a Pedro: "Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta
pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão.
Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus e tudo o que ligares na terra
será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra será
desligado também nos céus" (Mt 16,18-19).
(3)
Sobre um só edificou a sua Igreja. Embora, depois da sua ressurreição,
tenha comunicado igual poder a todos os Apóstolos, dizendo: "Como o Pai
me enviou, eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo, a quem
perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a quem os retiverdes
ser-lhe-ão retidos" (Jo 20,21-23), todavia, para tornar manifesta a
unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade procedesse
de um só.
(4)
É verdade que os demais Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo
recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira urdidura começa
pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só.
(5)
O Espírito Santo, falando na pessoa do Senhor, designa esta Igreja
única quando diz no Cântico dos Cânticos: "Uma só é a minha pomba, a
minha perfeita, única filha da sua mãe e sem igual para a sua
progenitora" (Cant 6,9).
(6)
Aquele que não guarda esta unidade poderá pensar que ainda guarda a fé?
Aquele que resiste e faz oposição à Igreja poderá confiar que ainda
está na Igreja?
(7)
Paulo apóstolo inculca o mesmo ensinamento e mostra o sacramento da
unidade, dizendo: "Um só corpo e um só espírito, uma é a esperança da
vossa vocação, um Senhor, uma fé, um Batismo, um só Deus" (Ef 4,4-5).
(8)
E, depois da ressurreição, diz ao mesmo: "Apascenta as minhas ovelhas"
(Jo 21,17). Sobre ele só constrói a Igreja e lhe manda que apascente as
suas ovelhas. Embora comunique a todos os Apóstolos igual poder, todavia
institui uma só cátedra, determinando assim a origem da unidade.
(9)
É verdade que os demais [Apóstolos] eram o mesmo que Pedro, mas o
primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que há uma só Igreja
e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só rebanho,
que deve ser apascentado por todos os Apóstolos em unânime harmonia.
(10)
Aquele que não guarda esta unidade, proclamada também por Paulo, poderá
pensar que ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de Pedro,
sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na
Igreja?
(1)
Esta unidade devemos guardar e exigir com firmeza, especialmente nós,
bispos, que na Igreja presidimos, para dar prova de que o episcopado
também é um e indiviso. Ninguém engane os irmãos com mentiras, ninguém
corrompa a pureza da fé com pérfidos desvios.
(2)
Uma só é a ordem episcopal e cada um de nós participa dela
completamente. Mas a Igreja também é uma, embora, em seu fecundo
crescimento, se vá dilatando numa multidão sempre maior.
(3)
Assim muitos são os raios do sol, mas uma só é a luz, muitos os ramos
de uma árvore, mas um só é o tronco preso à firme raiz. E quando de uma
única nascente emanam diversos riachos, embora corram separados e sejam
muitos, graças ao copioso caudal que recebem, todavia permanecem unidos
na fonte comum.
(4)
Se pudéssemos separar o raio do corpo do sol, na luz assim dividida já
não haveria unidade. Quando se quebra um ramo da árvore, o ramo quebrado
já não pode vicejar. Se separamos um regato da fonte, ele secará.
(5)
Igualmente a Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios
no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda a parte, continua
sendo a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do corpo.
(6)
Na sua exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra,
derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a
fonte, uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela
nascemos, é dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que nos
vivifica.
(1)
A Esposa de Cristo não pode tornar-se adúltera, ela é incorruptível e
casta [Cf Ef 5,24-31]. Conhece só uma casa, observa, com delicado pudor,
a inviolabilidade de um só tálamo. É ela que nos guarda para Deus e
torna partícipes do Reino os filhos que gerou.
(2)
Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica
privado dos bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo
não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano,
torna-se inimigo.
(3)
Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém
se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da
Igreja [nota: aqui Cipriano fala dos obstinados que, conhecendo a
verdade, insistem, por ódio ou comodismo pagão, em se apartar da Igreja
de Cristo].
(4)
O Senhor nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem
comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia
de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da
Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo.
(5)
Diz ainda o Senhor: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30), e do Pai, do
Filho e do Espírito Santo está escrito: "Estes três são um" (1Jo 5,7).
Como poderá alguém pensar que esta unidade da Igreja, decorrente da
própria firmeza da unidade divina, e tão conforme com este celeste
mistério, pode ser rompida e sacrificada ao arbítrio de vontades
opostas? Quem não observa esta unidade não observa a lei de Deus, não
observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a vida, nem a salvação.
(1)
Este sacramento da unidade, este vínculo de concórdia inviolada e sem
rachadura, é figurado também pela túnica do Senhor Jesus Cristo. Como
lemos no Evangelho, ela não foi dividida, nem, de modo algum, rasgada,
mas sorteada. Isto quer dizer que quem toma a veste de Cristo e tem a
dita de se revestir do próprio Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], deve
receber a sua túnica toda inteira e possuí-la intacta e sem divisão.
(2)
Diz a divina Escritura: "Quanto à túnica, visto que, desde a parte
superior, era feita de uma única tecedura, sem costura alguma, disseram:
não a dividamos, mas lancemos-lhe a sorte para ver a quem toca" (Jo
19,23-24). A unidade da túnica derivava da sua parte superior - em nosso
caso, do céu e do Pai celeste. Aquele que a recebia e guardava não
podia rasgá-la de modo nenhum, de fato ela era resistente e sólida por
ser constituída de um modo inseparável.
(3) Não pode possuir a veste de Cristo aquele que rasga e divide a Igreja de Cristo.
(4)
O contrário aconteceu à morte de Salomão, quando o seu reino e o povo
deviam ser divididos. O profeta Aías, indo ao encontro do rei Jeroboão
no campo, cortou o seu manto em doze partes, dizendo: "Toma para ti dez
partes, porque assim diz o Senhor: eis que eu divido o reino da mão de
Salomão, a ti darei dez cetros e dois ficarão para ele, por causa do meu
servo Davi e de Jerusalém, a cidade eleita em que eu pus o meu nome"
(1Rs 11,30-36). Para separar as doze tribos de Israel, o profeta dividiu
o seu manto.
(5)
Mas o povo de Cristo não pode ser dividido, e por isso a sua túnica,
que era um todo feito de uma só tecedura, não foi dividida por aqueles
que a deviam possuir. Ficando uma só, bem firme na sua contextura, ela
mostra a união e a concórdia do nosso povo, isto é, daqueles que são
revestidos de Cristo. Por este sinal sagrado da sua veste, proclamou ele
a unidade da Igreja.
(1)
Portanto quem será tão celerado e pérfido, tão louco pelo furor da
discórdia, para pensar como possível ou até para ousar romper a unidade
de Deus, a veste do Senhor, a Igreja de Cristo?
(2)
Ainda uma vez nos avisa ele no Evangelho dizendo: "E haverá um só
rebanho e um só pastor" (Jo 10,16). E como se pode pensar que, num mesmo
lugar, existam muitos pastores e muitos rebanhos?
(3)
O apóstolo Paulo, por sua vez, inculcando esta mesma unidade, suplica e
exorta: "Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que
todos digais as mesmas coisas e não se dêem cismas entre vós. Sede
unidos no mesmo sentimento e no mesmo pensamento" (1Cor 1,10) E de novo:
"Sustentando-vos mutuamente no amor, esforçando-vos por conservar a
unidade do Espírito na união da paz" (Ef 4,2-3).
(4)
Achas tu que alguém pode afastar-se da Igreja, fundar, a seu arbítrio,
outras sedes e moradias diversas e ainda perseverar na vida? Ouve o que
foi dito a Raabe, na qual era prefigurada a Igreja: "Recolhe teu pai,
tua mãe, teus irmãos e toda a tua família junto de ti, na tua casa, e
qualquer um que ouse sair fora da porta da tua casa, será ele próprio
culpado da sua perda" (Jos 2,18-19).
(5)
Igualmente o sacramento da Páscoa [antiga], como lemos no Êxodo, exigia
que o cordeiro, morto como figura de Cristo, fosse comido numa só casa.
Eis as palavras de Deus: "Seja comido numa só casa, não jogueis fora da
casa carne alguma dele" (Ex 12,46). A carne de Cristo, o Santo do
Senhor [Nota: "Sanctum Domini" O Santo do Senhor - era como os primeiros
cristãos chamavam a Eucaristia - O Corpo e Sangue de Cristo Jesus], não
pode ser jogado fora. Para os que nEle crêem, não há outra casa a não
ser a única Igreja.
(6)
O Espírito Santo anuncia e significa esta casa, esta morada da união
dos corações, dizendo nos salmos: "Deus faz habitar na casa aqueles que
são unânimes" (Sl 67,7). Na casa de Deus, na Igreja de Cristo, os
moradores são unidos e perseveram na concórdia e na simplicidade.
II Parte:
(1)
Por isto também o Espírito Santo desceu em forma de pomba [Mt 3,16; Mc
1,10], animal simples e alegre, sem amargura alguma de fel, incapaz de
se enfurecer; não morde, não arranha com as unhas. Prefere as moradias
dos homens e gosta de habitar numa mesma casa. Quando criam, as pombas
cuidam dos filhotes juntamente, quando viajam, voam pertinho umas das
outras. Passam o tempo em tranqüilos arrulhos, manifestam a concórdia e a
paz beijando-se no rosto. Enfim, em todas as coisas seguem a lei da boa
harmonia.
(2)
Esta é a simplicidade que deve reinar na Igreja, essa a caridade que
devemos realizar: o amor fraternal imite as pombas, a mansidão e a
brandura sejam iguais às dos cordeiros e das ovelhas.
(3)
Como podem estar no coração de um cristão a ferocidade dos lobos, a
raiva dos cães, o veneno mortífero das serpentes ou a crueldade
sanguinária das feras?
(4)
Devemos alegrar-nos quando os que têm esses sentimentos se separam da
Igreja. Assim as pombas e as ovelhas de Cristo não serão contagiadas
pela sua maldade e pelo seu veneno. Não podem conciliar-se e juntar-se
amargura e doçura, trevas e luz, chuva e céu sereno, guerra e paz,
esterilidade e fecundidade, secura e manancial, tempestade e bonança.
(5)
Não acreditem que os bons possam deixar a Igreja: não é o trigo que o
vento carrega, o furacão não arranca as árvores que têm sólidas raízes.
Ao contrário são as palhas vazias que a tormenta agita, são as árvores
vacilantes que a força dos turbilhões abate. Contra esses o apóstolo São
João manifesta a sua repulsa, dizendo: "Saíram do nosso meio, mas não
eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, sem dúvida teriam ficado
conosco" (1Jo 2,19).
(1)
A origem de onde nasceram freqüentemente e continuam nascendo as
heresias é a seguinte: há mentes perversas e sem paz, que, discordando
em sua perfídia, não podem suportar a unidade. O Senhor, por seu lado,
respeita a liberdade do arbítrio humano, permite e tolera que isto
aconteça, a fim de que o crisol da verdade purifique os nossos corações e
as nossas mentes, e, na provação, resplandeça com luz inequívoca a
integridade da fé.
(2)
O Espírito Santo nos previne, por meio do Apóstolo: "Convém que haja
heresias para que entre vós se tornem manifestos os que resistem à
prova" (1Cor 11,19). Assim, aqui mesmo, antes do dia do juízo, são
divididas as almas dos justos e dos perversos e as palhas são separadas
do trigo.
(3)
Esses são os que, por própria iniciativa e sem chamamento divino, se
põem a encabeçar temerários grupinhos. Contra toda a lei da ordenação,
se constituem superiores e, sem que ninguém lhes dê o episcopado, se
atribuem a si mesmos o nome de bispos. A eles faz alusão o Espírito
Santo, no Salmo, falando dos que estão sentados em cátedras de
pestilência, porque são peste infecciosa da fé. Mestres na arte de
corromper a verdade, eles enganam com bocas de serpente, vomitando de
suas línguas pestilentas peçonhas mortíferas. Os seus discursos brotam
como chaga cancerosa, o trato com eles deixa no fundo de cada coração um
veneno mortal.
(1)
Contra esses homens brada o Senhor, para afastar ou retirar deles o seu
povo desviado: "Não escuteis os sermões dos pseudo-profetas, porque
vivem iludidos pelas alucinações do seu coração. Falam, mas não as
palavras do Senhor. Aos que rejeitam a palavra de Deus dizem eles:
tereis a paz, vós e todos os que andam segundo as próprias vontades. Não
virá mal algum, ainda sobre aqueles que seguem os erros do próprio
coração. Eu não lhes falei e eles vão "profetando". Se tivessem atendido
ao meu conselho, ouvido as minhas palavras e as tivessem ensinado ao
meu povo, eu os teria convertido dos seus perversos pensamentos" (Jer
23,16-22).
(2)
E de novo fala deles o Senhor: "Abandonaram a mim, que sou a fonte da
água viva, e escavaram para si covas escuras, que nem podem dar água"
(Jer 2,13 [Nota: Tradução literal do texto latino antigo. As versões
tiradas do hebraico dizem: "cisternas fendidas, que não retêm a água"]).
(3)
Enquanto não pode haver senão um Batismo, eles pensam que podem
batizar. Abandonaram a fonte da vida e ainda prometem a graça da água
que dá a vida e a salvação. Lá os homens não são purificados, mas, ao
contrário, mais poluídos. Lá os pecados não são perdoados, mas, antes,
aumentados. Aquele nascimento não gera filhos para Deus, mas para o
demônio [Nota: Esta recusa do batismo dos hereges é conseqüência do
pensamento vigente. Este pensamento afirmava que qualquer violação na
unidade da Igreja significava perversão total da fé. Hoje, a Igreja
aceita o batismo das denominações protestantes tradicionais].
(4)
Os que pretendem nascer por meio da mentira não recebem absolutamente
as promessas da verdade. Gerados pela perfídia, não alcançam a graça da
fé. Aqueles que, no delírio da discórdia, quebraram a paz do Senhor, não
podem chegar ao prêmio da paz.
(1)
Alguns se enganam a si mesmos com uma presunçosa interpretação das
palavras do Senhor, que disse: "Onde quer que se encontrem dois ou três
reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles" (Mt 18,20).
(2)
São falsificadores do Evangelho e intérpretes mentirosos. Apegam-se ao
que é dito depois, esquecendo o que foi dito antes, lembram-se de uma
parte da frase e, astutamente, deixam do lado a outra. Assim como eles
se separaram da Igreja, do mesmo modo truncam o sentido de uma única
sentença.
(3)
De fato, o que queria dizer nosso Senhor? Para inculcar aos seus
discípulos a união e a paz, diz ele: "Eu vos afirmo que, se dois de vós
concordarem na terra em pedir qualquer coisa, ela lhes será outorgada
por meu Pai que está nos céus" (Mt 18,19). E continua: "Onde quer que se
encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles",
mostrando que o que mais vale na oração não é o número dos que oram, mas
a sua união de espírito.
(4)
"Se dois de vós concordarem na terra", diz ele. Antes exige a união,
põe na frente a paz: o seu primeiro e mais firme preceito é que entre
nós haja acordo. E como poderá estar de acordo com alguém aquele que
está em desacordo com o corpo da Igreja e a totalidade dos irmãos?
(5)
Como poderão estar reunidos dois ou três em nome de Cristo, se é
patente que estão separados de Cristo e do seu Evangelho? De fato não
somos nós que nos apartamos deles, mas eles de nós. E quando, em
seguida, formando entre si vários grupos, deram origem a heresias e
cismas, abandonaram a cabeça e a fonte da verdade.
(6)
O Senhor quer falar da sua Igreja e dirige aquelas palavras àqueles que
estão na Igreja, dizendo que, se dois ou três deles estiverem
concordes, como ele ensinou e mandou, e se reunirem em um só espírito
para rezar, embora sejam só dois ou três, impetrarão da majestade de
Deus o que pedem.
(7)
"Onde quer que se encontrem reunidos em meu nome dois ou três, eu mesmo
estou com eles", quer dizer com os simples, com os pacíficos, com os
que temem a Deus e observam os seus preceitos. Com esses, ainda que não
fossem mais do que dois ou três, prometeu que estaria, assim como esteve
com os três jovens na fornalha ardente, e, porque permaneciam simples
com Deus e unidos entre si, até no meio das chamas, os animou com uma
brisa de orvalho (Dan 3,50).
(8)
Do mesmo modo esteve presente aos dois Apóstolos encerrados na cadeia,
porque eram simples e unânimes. Ele mesmo abriu as portas do cárcere e
os conduziu de novo à praça para que pregassem à multidão a palavra que
tão fielmente anunciavam.
(9)
Por conseguinte, quando o Senhor coloca entre os seus preceitos estas
palavras: "Onde quer que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome,
eu mesmo estou com eles", não quer separar os homens da Igreja, pois
ele mesmo instituiu e formou a Igreja, mas ao contrário, repreendendo os
pérfidos pela discórdia e encarecendo, com a sua própria voz, a paz aos
fiéis, quer mostrar que ele está mais com dois ou três que oram
unânimes, do que com muitos que oram na dissidência, e que obtém mais a
prece concorde de poucos que a oração sediciosa de muitos.
(1)
Por isto, quando ensinou o modo de orar, acrescentou: "Quando
estiverdes em pé para orar, perdoai, se por acaso tendes mágoa contra
alguém, a fim de que o vosso Pai que está nos céus vos perdoe também os
pecados" (Mc 11,25). E se alguém vier ao sacrifício, estando de mal com
alguém, ele o afasta do altar e ordena que, antes, se ponha de acordo
com o irmão, e só depois volte em paz para oferecer a Deus a sua dádiva
[Cf Mt 5,24].
(2)
Deus não olhou aos presentes de Caim [Gen 4,5], porque aquele que, pelo
rancor da inveja, não tinha paz com o irmão, não podia encontrar a Deus
propício.
(3)
Que espécie de paz podem pretender os inimigos dos irmãos? Que
sacrifício pensam eles oferecer, enquanto não são que rivais dos
sacerdotes? Julgam que Cristo esteja presente nas suas reuniões,
enquanto se reúnem fora da Igreja de Cristo?
(1)
Ainda que esses homens fossem mortos pela confissão do nome cristão, o
seu sangue não lavaria esta mancha. O pecado da discórdia é tão grande e
tão imperdoável, que não se apaga nem pelos tormentos. Não pode ser
mártir quem não está na Igreja, não pode alcançar o Reino quem abandonou
aquela que nasceu para reinar.
(2)
Cristo nos deu a paz. Ele nos mandou que fôssemos concordes e unidos,
ordenou que os laços do amor e da caridade fossem conservados intactos e
sem rachadura. Não pode iludir-se de ser mártir aquele que não
conservou a caridade fraterna.
(3)
O apóstolo Paulo ensina e testemunha isto mesmo quando diz: "Ainda que
eu tivesse fé para remover as montanhas, mas não tivesse a caridade, eu
nada seria, ainda que distribuísse em alimento dos pobres tudo o que é
meu, e entregasse o meu corpo às chamas, mas não tivesse a caridade de
nada adiantaria. A caridade é magnânima, a caridade é benigna, a
caridade não rivaliza, não faz mal, não se pavoneia, não se irrita, não
pensa com maldade, tudo ama, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A
caridade jamais termina" (1Cor 13,1-9).
(4)
A caridade nunca termina, ela estará sempre no Reino, durará
eternamente pela unidade dos irmãos em mútua harmonia. A discórdia não
entra no Reino dos céus. Quem, com pérfida divisão, violou a caridade de
Cristo, não poderá chegar aos prêmios do mesmo Cristo, que disse: "Este
é o meu mandamento, que vos ameis mutuamente como eu vos amei" (JO
15,12).
(5)
Quem vive sem caridade está sem Deus. Eis a voz do bem-aventurado
apóstolo João: "Deus é amor. Quem permanece no amor permanece em Deus e
Deus nele" (1Jo 4,16). Não podem permanecer com Deus os que não quiseram
estar unidos na Igreja de Deus. Ainda que, lançados no fogo, fossem
consumidos pelas chamas ou perdessem a vida sendo expostos às feras,
tudo isto não seria uma coroa da fé, mas, antes, um castigo da sua
perfídia, não seria o desfecho glorioso de uma vida religiosa intrépida,
mas um fim sem esperança.
(6)
Um homem assim poderia ser morto, mas não coroado. Ele confessa que é
cristão do mesmo modo que o diabo, muitas vezes, engana dizendo ser ele o
Cristo. Escutemos o aviso do Senhor: "Muitos virão com o meu nome,
dizendo: sou eu o Cristo, e enganarão a muitos" (Mc 13,16). Como o diabo
não é Cristo, embora tome este nome, assim não pode passar por cristão
aquele que não permanece na verdade do Evangelho e na fé de Cristo.
(1)
É certamente coisa incomum e admirável profetizar, expulsar demônios e
fazer obras portentosas aqui na terra, mas quem faz todas essas coisas
não conseguirá o Reino celeste se não anda no caminho reto e certo.
(2)
Ouçamos ainda o Senhor: "Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor,
não te lembras que em teu nome profetizamos e em teu nome expulsamos
demônios e em teu nome fizemos obras portentosas? Eu porém lhes direi:
jamais vos conheci, apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade"
(Mt 7,21-23). É necessária a justiça para que alguém possa ser premiado
por Deus. É necessário obedecer aos seus mandamentos e aos seus avisos,
para que os nossos méritos alcancem a recompensa.
(3)
O Senhor, no Evangelho, querendo mostrar-nos em breve resumo a senda da
nossa fé e da nossa esperança, disse: "O Senhor, teu Deus, é um só", e
continua: "Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a
tua alma, de todas as tuas forças" (Mc 12,29-31). "Eis o primeiro
mandamento. O segundo é semelhante a ele: amarás ao teu próximo como a
ti mesmo. Nestes dois preceitos funda-se toda a lei e também os
profetas" (Mt 22,39-40).
(4)
Com a sua autoridade ensinou, ao mesmo tempo, a unidade e o amor. Em
dois preceitos compendiou a lei e todos os Profetas. Mas que unidade
observa, que amor pensa praticar aquele que, como doido pelo furor da
discórdia, divide a Igreja, destrói a fé, perturba a paz, aniquila a
caridade, profana o Sacramento?
(1)
Este mal, ó irmãos fidelíssimos, já tinha começado algum tempo atrás,
mas agora, como triste calamidade, foi crescendo dia a dia e a venenosa
praga da heresia e dos cismas aparece e pulula sempre mais. Assim deve
acontecer no fim do mundo, como nos vaticina e nos avisa o Espírito
Santo por meio do Apóstolo: "Nos últimos dias, diz ele, chegarão tempos
difíceis e haverá homens que só buscam os próprios gostos, soberbos,
arrogantes, avarentos, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos,
desalmados, sem afeição e sem respeito de compromisso, caluniadores,
incontinentes, violentos, sem nenhum amor ao bem, traidores, atrevidos,
estupidamente altivos, amando mais os prazeres que Deus, ostentando um
verniz de religiosidade, mas conculcando todo valor religioso. Deles são
os que se insinuam nas casas e conquistam mulherzinhas carregadas de
pecados, que se deixam levar por várias volúpias e se mostram sempre
curiosos de saber, mas nunca chegam ao conhecimento da verdade. E como
Jamnes e Mambres fizeram resistência contra Moisés, assim estes resistem
à verdade. Mas não serão bem sucedidos, porque a sua incapacidade será a
todos manifesta, como aconteceu àqueles" (2Tim 3,1-9).
(2)
Tudo o que tinha sido preanunciado se está cumprindo e, enquanto se
aproxima o fim do mundo, tudo se realiza nas pessoas e nos
acontecimentos.
(3)
O adversário está solto. Cada vez mais, o erro vai espalhando os seus
enganos. A insensatez gera orgulho, arde a inveja, a cobiça chega até à
cegueira, a impiedade deprava, a soberba incha, a discórdia exaspera, a
ira enfurece.
III Parte:
(1)
Porém não nos impressione nem perturbe essa desmedida e temerária
perfídia de muitos. Ao contrário, torne-se mais forte a nossa fé ao
constatarmos a verdade do que foi profetizado. Alguns fizeram-se
traidores, porque assim fora predito; os demais irmãos, em virtude da
mesma profecia, acautelem-se contra essas coisas, escutando a voz do
Senhor, que diz: "Vós, porém, acautelai-vos, porque eis que eu vos
predisse tudo" (Mc 13-23).
(2)
Evitai, pois, eu vo-lo peço, irmãos, esses homens e repeli, de vosso
lado e de vossos ouvidos suas perniciosas conversas, como se repele um
contágio mortífero. Está escrito: "Cerca os teus ouvidos com uma sebe de
espinhos e não ouças a língua maldosa" (Eclo 28,24). E ainda: "As
péssimas conversas corrompem até as pessoas de boa índole" (1Cor 15,33).
O Senhor nos recomenda que evitemos essa gente. "São cegos, diz ele, e
guias de cegos. Quando é um cego que conduz outro cego, caem juntos na
fossa" (Mt 15,14).
(3)
Convém estar longe e fugir de qualquer um que se separou da Igreja. É
um transviado, um culpado, ele se condena por si próprio [Cf Ti 3,11].
Poderá pensar que está com Cristo aquele que está tramando contra os
sacerdotes de Cristo e se separa da comunidade do seu clero e do seu
povo? Ele levanta armas contra a Igreja e resiste às ordens de Deus.
Adversário do altar, rebelde contra o Sacrifício de Cristo, traidor na
fé, sacrílego na religião, servo intratável, filho ímpio, irmão inimigo,
despreza os bispos e abandona os sacerdotes de Deus e ousa erguer um
outro altar, pronunciar com voz ilícita uma outra prece, profanar, com
falsos sacrifícios, a Hóstia do Senhor, e esquece que quem vai contra as
ordens de Deus será punido com os divinos castigos pela sua atrevida
audácia.
[Nota:
Parece até intolerância de S. Cipriano, mas defender a fé não é
intolerância. A culpa não é tanto estar fora da Igreja "in-fidelis", mas
em ter saído da Igreja e teimar numa fé espúria e pervertida
"perfídia". S. Cipriano deseja defender os que permanecem na Igreja, das
falsas doutrinas dos hereges, e não incitar um preconceito gratuito].
(1)
Assim Coré, Datã e Abirão receberam, sem demora, o castigo da sua
presunção, porque, violando as ordens de Moisés e do sacerdote Aarão,
pretenderam usurpar o direito de oferecer sacrifícios [Cf Num 16,31-35].
A terra perdeu a sua firmeza, fendeu-se numa profunda voragem, e o
chão, assim aberto, os engoliu vivos e em pé. A justiça indignada de
Deus não atingiu só os autores daquele gesto, mas também os outros
duzentos e cinqüenta, seus companheiros, que foram cúmplices e
solidários com eles. De repente saiu do Senhor um fogo punitivo e os
consumiu. Isto deve valer como demonstração e sinal de que foi ofensa
contra Deus tudo o que aqueles perversos tentaram, com suas vontades
humanas, para frustrar as ordens do próprio Deus.
(2)
Assim aconteceu também ao rei Ozias, quando segurou o turíbulo e, com
violência, pretendeu oferecer ele mesmo o incenso, violando a lei de
Deus e desobedecendo ao sacerdote Azarias, que a isto se opunha [Cf
2Crôn 26,16-20]. Lá mesmo foi confundido pela divina indignação e
acometido por uma espécie de lepra na fronte. Pela sua ofensa a Deus,
foi punido justamente naquela parte do corpo, onde recebem o sinal (da
cruz) os eleitos de Deus.
(3)
Também os filhos de Aarão, por ter colocado no altar um fogo profano,
contra os preceitos do Senhor, foram mortos no mesmo instante pela
divina vingança [Cf Lev 10,1-2; Num 3,4].
(1)
São esses os exemplos que seguem e imitam os que buscam doutrinas
estranhas, introduzem ensinamentos de invenção humana e desprezam a
divina tradição. A eles aplicam-se as repreensões e as censuras do
Evangelho: "Rejeitais o mandamento de Deus para apegar-vos à vossa
própria tradição (pagã)" (Mc 7,90).
(2)
Este crime é pior do que aquele que se pensa terem cometido os lapsos,
ao menos se falarmos dos que estão arrependidos e rogam a Deus perdão do
seu pecado, dispostos a dar completa satisfação. Os lapsos, com
súplicas, procuram a Igreja, os cismáticos combatem-na. Os primeiros
podem ter sido vítimas de alguma pressão, os segundos erram no pleno uso
da sua liberdade. O lapso, pecando, se prejudicou unicamente a si
mesmo, ao passo que aquele que tenta criar heresias e cismas engana a
muitos, arrastando-os à sua seita. Lá há detrimento de uma só alma, aqui
o perigo é de muitos. O lapso reconhece que certamente pecou, disto
lamenta-se e chora, o cismático, cheio de orgulho no seu coração e
comprazendo-se dos seus próprios erros, arranca os filhos à mãe, afasta,
com aliciamentos, as ovelhas do Pastor, arrasa os divinos Sacramentos.
(3)
O lapso pecou só uma vez, o outro continua pecando a cada dia. Por fim,
o lapso, mais tarde, poderá enfrentar o martírio e conseguir as
promessas do Reino, o cismático, ao contrário, se for morto enquanto
está fora da Igreja, não alcançará os prêmios da Igreja.
[nota:
* Lapsos era o nome dado aos cristãos que durante a perseguição tinham
sacrificado incenso aos ídolos, o que significava renúncia à fé. Para
serem reintegrados na comunidade da Igreja deviam se submeter às
penitências prescritas].
(1)
Não deveis estranhar, irmãos diletíssimos, que até entre os confessores
haja alguns que caíram nestes crimes. Acontece também que alguns deles
cometam outros pecados graves e vergonhosos. A confissão da fé não torna
uma pessoa imune das ciladas do demônio. A quem ainda vive neste mundo
ela não comunica uma perpétua segurança contra as tentações, os perigos e
o ímpeto dos ataques mundanos. Se assim fosse, não veríamos, em
confessores, os roubos, os estupros e os adultérios, que agora, com
imensa tristeza, devemos lamentar em alguns deles.
(2)
Quem quer que seja um confessor, ele não poderá ser maior, melhor e
mais amigo de Deus que Salomão. Entretanto, este, durante o tempo em que
se manteve nos caminhos do Senhor, conservou a benevolência com que o
mesmo Senhor o tinha favorecido, mas quando se desviou destes caminhos,
perdeu também a benevolência do Senhor [3Rs 11,9].
(3)
Por isto diz a Escritura: "Segura o que tens, para que um outro não
tome a tua coroa" (Ap 3,11). Se lá o Senhor ameaça tirar a alguém a
coroa da justiça, é sinal que quem renuncia à justiça fica privado
também da coroa.
[nota:
* Os confessores eram os cristão que afirmavam a fé perante os
perseguidores, e por um motivo ou outro, não eram condenados a morte.
Alguns deles, cheios de soberba pelo ato de fé que praticou, achavam que
tinham o direito de dar o aval aos lapsos (ver nota acima) e
reintegrá-los na comunidade sem as penitências. Alguns confessores se
tornaram cismáticos].
(1)
A confissão da fé é um preâmbulo da glória, mas não é ainda a posse da
coroa. Não é a glória definitiva, mas só o início do mérito. Está
escrito: "O que perseverar até o fim, este será salvo" (Mt 10,22). Tudo
pois o que fazemos antes do fim é só um passo com o qual vamos subindo
ao monte da salvação, mas só ao fim da subida chegaremos à posse
perfeita do cume.
(2)
Trata-se de um confessor? Ora, depois da confissão da fé, o perigo
torna-se maior, porque o adversário está mais enraivecido contra ele.
(3)
É confessor? Por isto, mais do que nunca, deve permanecer fiel ao
Evangelho do Senhor, ele que pelo Evangelho conseguiu esta honra. Diz o
Senhor: "A quem muito é dado, muito será pedido e a quem é concedida
maior dignidade, deste exigem-se maiores serviços" (Lc 12,48). Ninguém
se deixe levar à perdição pelo mau exemplo de algum confessor. Ninguém
aprenda, do seu modo de proceder, a injustiça, a arrogância ou a
perfídia.
(4)
É confessor? Seja humilde e tranqüilo em todo o seu comportamento, seja
disciplinado e modesto, de modo que, como é chamado confessor de
Cristo, imite também aquele Cristo que confessa "Quem se exalta será
humilhado e quem se humilha será exaltado" (Lc 18,14). Assim disse ele, e
foi exaltado pelo Pai, porque, sendo ele a Palavra, a Virtude e a
Sabedoria de Deus Pai, se humilhou a si mesmo na terra. E como poderia
amar a altivez, ele que, com a sua lei nos preceituou a humildade, e, em
prêmio da sua humildade, recebeu do Pai o nome mais sublime? [Cf Flp
2,9]
(5)
Alguém foi confessor de Cristo? Muito bem, mas, depois, por sua culpa,
não sejam blasfemadas a majestade e a santidade do próprio Cristo. A
língua que confessou a Cristo não seja maldizente nem sediciosa, não se
ouça vociferando em altercações e brigas; depois de palavras tão divinas
de louvor não vá vomitando veneno de serpente contra os irmãos e contra
os sacerdotes de Deus.
(6)
Em suma, se alguém, depois da confissão, se tornou culpável e
detestável, se aviltou a sua confissão com maus comportamentos, se
manchou a sua vida com torpezas indignas, se, afinal, abandonou a
Igreja, na qual se tornara confessor, e, quebrando a harmonia da
unidade, trocou a fé de então com a perfídia, um tal homem não pode
lisonjear-se, presumindo da sua confissão, de ser como que predestinado
ao prêmio da glória. Ao contrário, por isto mesmo, aumentaram seus
títulos para o castigo.
(1)
Vemos também que chamou a Judas entre os Apóstolos, e este Judas, em
seguida, traiu o Senhor. A fé e a perseverança dos Apóstolos não
esmoreceram pelo fato que Judas traidor tinha pertencido ao seu grupo.
Igualmente em nosso caso: a santidade e a dignidade dos confessores não
ficam destruídas, se naufragou a fé em alguns deles.
(2)
O bem-aventurado apóstolo Paulo diz numa das suas cartas: "Se alguns
decaíram da fé, será que a sua infidelidade tornou vã a fidelidade de
Deus? De modo algum. De fato, Deus é verídico e todo homem é mentiroso"
(Rom 3,3-4; Sl 115,11).
(3)
A maioria e a parte melhor dos confessores mantém-se no vigor da sua fé
e na verdade da lei e da disciplina do Senhor. Lembrando-se de ter
alcançado a graça e a benevolência de Deus na Igreja, não se afastam da
paz da mesma Igreja. Nisto merecem mais amplo louvor pela sua fé,
porque, desligando-se da perfídia daqueles que já foram seus
companheiros na confissão, resistiram ao contágio do mal. Iluminados
pela luz verdadeira do Evangelho, brilhando na pura e cândida claridade
do Senhor, mostram-se tão dignos de encômio na conservação da paz de
Cristo, quanto o foram no combate, quando se tornaram vencedores do
demônio.
(1)
Quanto a mim, irmãos diletíssimos, não deixo de exortar e insistir,
porque desejo que, se for possível, nenhum dentre os irmãos pereça, e a
mãe feliz (a Igreja) abranja no seu regaço o seu povo, unido na
concórdia como um só corpo. Se, todavia, este salutar conselho não
consegue reconduzir ao caminho da salvação certos chefes de cismas e
certos autores de dissensão, preferindo eles obstinar-se em sua cega
demência, ao menos os demais, os que foram surpreendidos na sua
simplicidade, ou se deixaram desviar por algum equívoco, ou foram
enganados pelo ardil de uma astúcia dissimulada, ao menos vós sacudi os
laços falaciosos, livrai dos erros os vossos passos extraviados, sabei
reconhecer o caminho reto que conduz ao céu.
(2)
Ouvi a voz do Apóstolo, que clama: "Em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo, nós vos mandamos, diz ele, que vos afasteis de todos os irmãos
que andam desordenadamente e não segundo a tradição que receberam de
nós" (2Tes 3,6). E de novo: "Ninguém vos engane com vãs palavras. Por
causa disto veio a ira de Deus sobre os filhos da contumácia. Não
estejais, pois, ao lado deles" (Ef 5,6-7).
(3)
Deveis evitar os delinqüentes e até fugir deles, para que não aconteça
que, juntando-se aos que trilham os caminhos do erro e do crime, alguém
se desvie também da verdade e se torne culpado de igual delito.
(4)
Deus é um, Cristo é um, uma é a sua Igreja, uma a fé e o povo (cristão)
é também um, aglutinado pela concórdia como na compacta unidade de um
corpo. Esta unidade não pode ser quebrada. Um corpo não pode ser
dividido, desarticulando as suas junturas. Não pode ser reduzido a
pedaços, dilacerando e arranhando as suas vísceras. Tudo o que se separa
do centro vital não pode continuar a viver ou a respirar porque fica
privado do alimento indispensável à vida.
(1)
O Espírito Santo assim nos fala: "Quem é o homem que quer viver e
deseja ver dias excelentes? Refreia do mal a tua língua, e os teus
lábios não falem insidiosamente. Evita o mal e faze o bem, busca a paz e
segue-a" (Sl 33,13-15). O filho da paz deve buscar a paz, deve
procurá-la. Quem conhece e ama o vínculo da caridade deve guardar a sua
língua do flagelo da dissensão.
(2)
O Senhor, já próximo à paixão, entre outros preceitos e ensinamentos
salutares, acrescentou o seguinte: "Eu vos entrego a paz, eu vos dou a
minha paz" (Jo 14,27). Esta é a herança que nos deixou. Todos os dons e
todos os prêmios das suas promessas estão incluídos nisto: a
inviolabilidade da paz.
(3)
Se somos co-herdeiros de Cristo [Cf Rom 8,17], permaneçamos na paz de
Cristo. Se somos filhos de Deus, sejamos pacíficos. "Bem-aventurados os
pacíficos, diz, porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5,9). Convém,
pois, que os filhos de Deus sejam pacíficos, mansos de coração [Cf Mt
11,29], simples quando falam, concordes nos afetos, sempre ligados uns
aos outros pelos laços da unidade de espírito.
(1)
Essa unidade reinou ao tempo dos Apóstolos e a nova plebe, o povo dos
que acreditaram, guardava os preceitos do Senhor e ficava fiel à sua
caridade. Prova-o a divina Escritura, dizendo: "A multidão daqueles que
acreditaram se comportava como se fossem todos uma só alma e uma só
mente" (At 4,32).
(2)
E antes: "Estavam perseverando todos unânimes na oração com as mulheres
e Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos" (At 1,14). Por isto oravam de
modo eficaz e podiam confiar em alcançar o que estavam pedindo à
misericórdia divina.
(1)
Entre nós, ao contrário, esta união está demasiado relaxada, e ao mesmo
tempo aparece muito enfraquecida a generosidade nas obras (boas). Então
vendiam as suas casas e as suas propriedades e entregavam o preço aos
Apóstolos, para que fosse distribuído aos pobres: assim colocavam seus
tesouros no céu [Cf Mt 6,19]. Hoje nem se dão os dízimos dos patrimônios
e, enquanto o Senhor diz "vendei" [Cf Lc 12,33], nós preferimos comprar
e possuir mais. Como, entre nós, murchou o vigor da fé, como esmoreceu a
força daqueles que crêem!
(2)
Por isto o Senhor, falando destes nossos tempos, diz no Evangelho:
"Quando vier o Filho do homem, pensas que encontrará fé na terra?" (Lc
18,8). Vemos que está acontecendo o que ele predisse. No que diz
respeito ao temor de Deus, à lei da justiça, ao amor, às obras, não há
mais fé. Ninguém se preocupa com as coisas que hão de vir, ninguém pensa
no dia do Senhor, na ira de Deus, nos futuros suplícios dos incrédulos,
nos eternos tormentos destinados aos pérfidos. Se crêssemos, a nossa
consciência teria medo de tudo isto. Se não temos medo é sinal que não
cremos. Quem acredita se acautela, quem se acautela se salva.
(3)
Despertemos, irmãos diletíssimos, quebremos o sono da inércia rotineira
e, por quanto for possível, sejamos vigilantes em guardar e cumprir os
preceitos do Senhor. Sejamos prontos, como ele seja, quando diz:
"Estejam cingidos os vossos rins, e as lâmpadas acesas nas vossas mãos, e
vós sede semelhantes a homens que esperam o seu dono, quando voltar das
núpcias, para lhe abrirem logo que ele chegar e bater. Bem-aventurados
os servos que o Senhor, chegando, encontrar vigilantes" (Lc 12,35-37). É
necessário que estejamos cingidos, a fim de que, quando vier o dia da
partida, não sejamos surpreendidos cheios de impedimentos e de
embaraços. Fique sempre viva a nossa luz e brilhe em boas obras, para
nos guiar da noite deste mundo aos esplendores da claridade eterna.
Sempre solícitos e cautos, fiquemos à espera da chegada repentina do
Senhor. Quando ele bater, encontre a nossa fé vigilante com uma tal
vigilância que mereça receber o prêmio do mesmo Senhor.
(4)
Se forem observados esses mandamentos, se forem postas em prática essas
exortações, não acontecerá que sejamos vencidos, no sono, pela falácia
do demônio, mas, como servos bons e vigilantes, reinaremos com Cristo
glorioso.
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