Eduardo de Oliveira Leite
A adoção é um processo bilateral que deve atender, primeiramente, aos interesses maiores da criança adotada e, secundariamente, aos interesses dos pais adotantes
A reportagem publicada na Gazeta do Povo, no dia 9 de janeiro, sob o título “Plano de Lula prevê a legalização do aborto e do casamento gay” causa perplexidade e justifica a crítica veemente dos mais diversos segmentos da sociedade civil brasileira. Sem entrar na análise do controle dos meios de comunicação, por si só merecedor do mais veemente repúdio, o “plano” (com “p” minúsculo) é igualmente sofrível no terreno do Direito de Família, especialmente no que tange ao casamento de pessoas do mesmo sexo (vedado pela atual ordem constitucional) e à adoção por homossexuais. Autorizar a adoção de crianças por casais homossexuais é um contrasenso que não resiste às mais elementares noções de legalidade e contraria todos os princípios da mais fundamental psicologia.
Vale lembrar, para citar os aspectos jurídicos, que o atual Código Civil, no art. 1.622 dispõe que: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher”. Ou seja, o sistema codificado assumiu posição nitidamente favorável à triangularização da família constituída por pai, mãe e filho. Noção igualmente resgatada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quando, ao se referir à “família substituta”, previu a família triangular (constituída por homem, mulher e filhos), como forma de garantir ao adotado a salutar identificação com as figuras masculina e feminina. No mesmo sentido a disposição constitucional estampada no art. 227, quando dispõe ser “dever (...) do Estado assegurar à criança o direito (...) à convivência familiar...”. Claro está que o constituinte se referiu à família heterossexual, que sempre serviu de paradigma às relações familiares no Brasil e no mundo. Portanto a proposta do “plano”, nesta primeira abordagem, é flagrantemente ilegal e inconstitucional.
De nada adianta invocar a questão da preferência sexual como eventual pressuposto violador da igualdade constitucional. Nem tampouco de discriminação ou preconceito social. Tais argumentos só deslocam o foco de observação da real perspectiva do problema. O que o legislador não quer e proíbe, sem vacilar, é que destas uniões decorram direitos equiparáveis ao casamento, porque, entre o direito das crianças (adotadas) de terem pai e mãe e a eventual pretensão do casal homossexual, em adotar, o legislador não vacilou e priorizou aquele direito (dos adotados) em detrimento deste (dos homossexuais). É a ideia do interesse maior do menor (ECA) que se resgata, em detrimento de qualquer outra consideração, eventualmente invocável. Vale lembrar, ainda, que a adoção é um processo bilateral que deve atender, primeiramente, aos interesses maiores da criança adotada e, secundariamente, aos interesses dos pais adotantes. A prosperar a pretensão estampada no “programa”, os adotantes estariam autorizados a adotar sem qualquer manifestação da criança adotada, o que torna ainda mais criticável a proposta.
No terreno da psicologia, o “plano” é igualmente desastroso bastando considerar que todos os Manuais de Psicologia são unânimes em afirmar (quer assumamos a teoria psicanalista de Freud, quer a tese determinista de Bowlby ou de Erik Erikson) que a criança precisa, para o seu desenvolvimento emocional e psicológico, de duas identificações; necessita do pai e da mãe. Ignorar a família é amputar a criança. O que a psicologia aviva é o papel decisivo da família na pessoa do adotado, reafirmando uma ideia bastante esquecida, de que a adoção consiste em dar uma família à criança, e não uma criança a um pretendente à filiação. Pensar de forma diferente implicaria priorizar o interesse adulto (dos adotantes) em detrimento manifesto do interesse maior da criança (adotada). As crianças têm necessidade da presença do pai e da mãe que os tratam paternal e maternalmente para modelar sua identidade. Por que fomentar situações atípicas se podemos encontrar no ambiente familiar natural elementos suficientes à garantia da fundamental segurança e equilíbrio que todas as crianças do mundo necessitam? É a família triangular que o legislador sempre teve em mira e não outras formas de união desvinculadas da figura paterna e materna. A procura de um equilíbrio do triângulo adotivo nas situações conflitantes só pode ser encontrada em sociedades que consideram o interesse da criança ao ser adotada por uma família. Nesse sentido, a proposta do “Programa Nacional de Direitos Humanos”, lançado por decreto do presidente, em dezembro de 2009, precisa imediatamente ser revisto, sob risco de se cometerem injustiças de efeito negativo imprevisível e incontrolável.
Eduardo de Oliveira Leite, doutor em Direito, advogado familiarista, é professor Titular na Faculdade de Direito da UFPR e autor de diversas obras de Direito de Família.